E O MAR AQUI TÃO PERTO

Pois é!

No dia 21 de maio, mais uma vez, me desloquei ao Auditório da Fundação A LORD para, de novo, me deliciar com as suas bem escolhidas e acertadas peças culturais.

Apesar do grande cansaço, foram vários os motivos que me impulsionaram a ir. O espetáculo, a cultura, a alegria, a vida, o lazer… Eu adoro a arte! Só a perco quando me é totalmente impossível a deslocação.

Sendo uma das principais personagens o Arrais, mestre do barco, um grande amigo (colega de curso do meu marido), o convite tornou-se irresistível. Não faltes! E não faltei!

Bem que o cansaço me pedia cama, mas os apelos tiveram mais força e venceram.

E valeu a pena, pois sabia que não ia perder o meu tempo.

Na verdade, são poucas as palavras para descrever um espetáculo daquela dimensão e profundidade – Maresia.

Mar chão, mar pão, mar vida, mar traição, mar luz, sol, magia, canção, azul, onda de neve, espuma e encantamento. Mas também morte e sepultura dos que o enfrentam procurando o amor e a vida.

Este espetáculo, baseado no quotidiano das povoações costeiras portuguesas, retrata, em canções e danças, todo um folclore de dor, sofrimento, sonhos, lutas e perdas.

Tradições, que recolhidas por todo o país por um grupo de estudantes universitários e licenciados, para que a vida se erga, se renove, se cante, se dance, se viva e dela não se perca um “cibinho” e nos traga novas lições para uma vida melhor.

Esta Associação Cultural Académica, o NEFUP, fundada em 1982, tinha e continua a ter como objetivo principal, a recolha, estudo e divulgação da etnografia e folclore português.

E que bem retratado foi este pedaço da vida do mar! Entremeado com uma linda história da princesa Lua para amenizar a dor, os trovões, as tempestades das muitas vezes que o mar se zanga. Ele serve de ponte, de serenidade, de beleza para o encantamento e encadeamento da poesia, do romântico luar das noites de lua cheia e das marés com que a lua atrai o mar.

Estas tradições e manifestações populares são uma chamada de atenção para as memórias coletivas, reproduzindo o mais fiel possível a nossa cultura etnográfica. Tudo me encantou e, com certeza, a todos os que faziam ou fizeram a casa cheia.

Este tema, Maresia, é-me particularmente gratificante!

Sendo mulher nascida na montanha, muitas vezes, o meu coração sonhou o mar…

Por isso, com a alma nos montes, trouxe o olhar da paixão para um vigésimo quinto andar na Póvoa de Varzim, em frente ao mar!

Aí, a todo o instante, vejo e ouço o som do mar, os pontos brilhantes que pontificam o mar da noite escura quando à tardinha os pescadores deixam a barra e vão mar dentro, mar fora, desvendando horizontes em busca da vida, muitas vezes, sem regresso.

Já não se veem as sargaceiras de saia arregaçada e ancinho ao ombro, desenhando e bordando tapetes de algas na areia dourada. Tenho delas saudades! Tudo se vai perdendo, daí a importância deste excelente trabalho de recolha.

As mulheres também já não puxam as cordas dos barcos…

Para que algo fique, restam estes pedaços de chão, de mar, de sal, de maresia, de vento, de redes, de tradição, de alma, de amor.

Também eu na minha montanha fiz o mesmo. Restaurei a casa onde nasci, vivi, cresci, amei e sonhei o mar. Onde eram as adegas, as lojas dos animais e a oficina de carpintaria do meu pai, fiz um pequeno mini museu etnográfico para que o meu espólio de saudade se não perca. Disso escrevi um livro, lindo, meio poesia, meio prosa poética, que pode ser consultado na Biblioteca da Fundação A LORD.

Nele retrato a alma das gentes transmontanas, a minha alma, o meu regresso à casa, ao lar, ao colo, ao chão, à terra, ao meu mar de trigo e de centeio, à luz, ao espólio de saudade e da vida.

A Fundação A LORD já nos habituou ao belo, ao maravilhoso e fantástico de qualquer forma de arte, realizando um excelente trabalho de difusão cultural, mentalizando as gentes locais e até dos mais afastados lugares, para o valor da cultura, para o entretenimento, para a aprendizagem, para a vivência de outras formas de vida, por vezes, mais amargas do que a nossa.

Parabéns NEFUP, por agarrarem as coisas e lhes soprarem vida e alma!

Obrigada Fundação A LORD, pela gentileza de me enviar o convite. Aqui fica o registo dos momentos irrepetíveis passados no Auditório da Fundação A LORD.

Donzília Martins

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